terça-feira, 28 de setembro de 2010

Country Disappeared – Wilco (2009)

Acorda, que cá estamos, e é tão pior do que pensamos

    Ela era como uma canção triste: entrou rápido no coração, animava as noites com a ausência, escurecia os dias com a indiferença.

I want the one I can’t have – The Smiths

     Se pudesse, Tiago passaria o dia a olhar para ela. Os gestos doces metidos numas calças rasgadas e uns ténis floridos: a dose certa de irreverência e candura.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Transatlanticism – Death Cab For Cutie

     Francisco e Melinda pareciam quase nem se ver. Evitavam olhar directamente um no outro, porque olhos castanhos com azuis não dão nunca bom resultado. Poucos meses lhes restavam e nunca é fácil decidir entre saudade e privação.

     I need you so much closer

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Desperate ain’t lonely - Whiskeytown

     Ryan era um rapaz como todos os outros, na Carolina do Norte dos anos 90. Porque o frio também aperta nas noites geladas do deserto, Ryan aquecia o coração com dois ou três brandy e uma miúda a quem pagava por companhia, lá no bar.

     Um dia, cansado de esperar e usando a sua cabeça de pé-de-vento, Ryan pediu em casamento a Carolyne, uma dessas raparigas que usavam corpete para que os peitos (e as suas carteiras) ficassem mais aconchegados. Ora, a rapariga, que morava num trailer com o padrasto e mais umas quantas beatas de cigarro apagadas no chão, junto ao sofá, de pronto aceitou compor o seu futuro com o rapaz de camisa de flanela vermelha.

     Só que as raparigas de Piney Green, mulheres desejosas de se meteram numa pick-up com um barbudo de botas com esporas, até Raleigh, só amavam e respeitavam o dinheiro e nunca a um homem como este. Carolyne, como todas as outras, escapou de casa numa dessas mesmas noites frias, em que Ryan adormecia sobre a mesa, a pensar na vida e no trabalho.

     E Ryan, rapaz entregue à tristeza e aos infortúnios que lhe apareciam, decidiu pôr fim aos seus dias de cowboy infeliz e usou a caçadeira que aos Domingos servia para derrubar umas quantas latas enferrujadas, nas traseiras de sua casa.

     Quando o encontraram, no seu casaco de camurça estava um papel com o seguinte: “Eu tento não beber mas depois sento-me e penso e apenas enlouqueço… Estou desperado e só. De dia, solitário. De noite, apenas triste. Escrevi-te uma carta, com palavras que arranquei da garganta mas acho que o carteiro também bebeu, porque estava deitado na berma da estrada e a mensagem, que era urgente, quando chegou ao destino encontrou uma casa onde não vivias mais.” 

sábado, 17 de maio de 2008

Desire - Ryan Adams (48 Hours)

Quantas noites foram nossas, naquele quarto? Quantos olhos pusemos nós no espelho, para guardar o momento – cada momento – da nossa despropositada paixão?

E quantas vidas foram nossas, meu amor, quando se misturavam silêncio e média luz? Continuo por cá, sentado aos pés da cama, onde um dia se confundiram as nossas pernas. Gostava de trazer-te também para baixo, para que, com o sofrimento, pudesses também ver solenidade nos momentos que julgas terem sido comuns. E se, por obra de algo que outros possam ver mas não sentir (porque também o disse Maquiavel, “ver todos podem, mas serão poucos aqueles que possuem a qualidade do sentir”), te encontrares também escravizada a esse mesmo momento do qual eu falo, então dele façamos escasso acontecimento, ao invés de o amiudar, sob pena do mesmo ser alcançável por todos quanto o desejarem.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Guitarra de Ilusões - Copituna

Por entre o misticismo, estavas tu. E, no andar ofegante, quando os teus cabelos caem sobre a capa recheada de história, chamas a ti um momento de rara beleza. Quando ecoam os primeiros acordes na praça repleta de negro, juntam-se as nossas almas e choramos a vida, como quem chora uma partida necessária. Meu amor, se por ventura os nossos corações um dia seguirem caminhos opostos, façamos deste momento o mais solene de todos. Vamos ficar por aqui a unir os nossos lábios, a percorrer de mãos dadas esta praça como percorre a mão do guitarrista o braço do instrumento.

domingo, 23 de março de 2008

With tired eyes, tired minds and tired souls, we slept - Explosions in the sky

Vivemos no mundo da loucura. Vivemos no mundo da escuridão, da loucura. Vivemos no mundo da mágoa, da escuridão, da loucura.
E vagueamos por aí, com medo, com o subtil medo de que um arrepio nos atravesse a espinha, o estômago e se materialize, nos ataque. Não sabemos sequer do que temos medo mas depois de nos maquilharmos (corpo e alma) e sairmos de casa, sentimos medo. Como se de súbito os corredores não mais fossem seguros e de cada porta espreite o perigo, o abismo de nunca mais existirmos, porque a alguém um dia não prestaram atenção.
E então, com os olhos, mente e alma cansados, dormimos...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Grace Under Pressure - Elbow (Cast of Thousands)

Os olhos luzidios, as mãos suadas, os tremores na barriga, os dedos entrelaçados, as pernas enroscadas, o coração acelerado, os pés rígidos, o discurso sem nexo, os cabelos selvagens, as corridas alegres, os beijos quentes e os abraços sentidos, a alma limpa… o sorriso de um anjo, o toque suave, as noites em branco, as mensagens trocadas, a cama partilhada, o aconchego do sofá, o prazer que sentimos, o carinho que partilhamos, o gargalhar mais puro, o choro contido… os lábios roxos, a cabeça tonta, a lua de papel, as juras trocadas, a chama intensa… o sangue nas veias, os músculos tensos, a roupa espalhada, os berros de dor… a respiração ofegante, o peito que se toca… a paixão…

Continuamos a acreditar no amor, que se foda o resto…

Continuamos a acreditar no amor, que se foda o resto…

Continuamos a acreditar no amor, que se foda o resto…

WE STILL BELIEVE IN LOVE, SO FUCK YOU!

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Ocean Spray - Manic Street Preachers (Know Your Enemy)

Não questionei o velho João – porque não devemos nunca pôr em questão quem já viveu mais experiências que nós – quando disse que "antes morrer que morrer no verão". Até achei poético, sinceramente.
Eu já o conhecia, desde pequeno. Quando chegava da escola ia visitá-lo, perguntar-lhe se precisava de alguma coisa e ele, na sua poltrona, agradecia e mandava-me tomar, como meus, os 100 escudos que todos os dias me dava. Nunca lhe perguntei se tinha tido mulher, ou um grande amor. Ele sempre disse que a sua vida eram os livros e que com eles fazia amor, sorria, desesperava e a eles tinha jurado amor eterno.
Contou-me, um dia, que tinha vestido a pele de imperador em Macau, destronando (com palavras, o velho João não era de guerras) o seu irmão mais velho. “Dei, depois, o lugar aos pobres” disse-mo ele. Ouvi alguém chamar-lhe vermelho, dias depois. Revelou-me, um dia, que se a nossa alma fosse boa e livre de pecados, seríamos depois mais leves e livres de nos deslocarmos. E quando a chuva cai por aqui, o velho João vem ter comigo, na sua longa gabardina castanha, para cheirar a terra e as flores.
Com o passar do tempo, os pulmões foram-no atraiçoando. O velho João disse-me que conseguia respirar na perfeição, mas que já não se lembrava de como o fazer. E quando o coração também quis parar, o velho João agarrou o peito – como se estivesse a agarrar a vida – e contam os meus pais que ele ainda falou com a morte. Que a repreendeu por se ter adiantado à sua vontade mas que também a congratulou, por ter coragem de lutar contra uma alma tão pura.
No Outono da sua morte, não chorei o velho João – porque não devemos nunca chorar uma vida cheia de experiências – quando a terra húmida o engoliu e misturou os dois perfumes sagrados. Até achei poético, sinceramente.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Safe - M83 (Before The Dawn Heals Us)

Tivesse o Inverno um nome, seria o teu. O aconchego do teu sorriso e a luz dos teus olhos, cristalizam os meus dias de frio. E quando a chuva, compassada, atinge o chão, não me passa nunca pelo corpo porque só sentimos o que vemos e os teus cabelos não me deixam pensar na água que jorra dos céus. Quando, nas manhãs geladas, o ar que expiro fica visível, é porque com ele te pretendo abraçar, fugir da terra orvalhada e dar um beijo por entre os cachecóis.
Mas eu sei, meu amor… eu sei que nada disto existe em ti e que são criações perfumadas da minha alma triste. E que nada em nós é inteiro, a não ser a solidão. As rosas do nosso jardim murcharam, foram engolidas pela terra e temo que não voltem a aparecer. E tu, meu amor, se por ventura em alguma dessas manhãs vires nos meus olhos a paixão que te tenho, caminha na minha direcção e aguentaremos juntos esta estação fria e melancólica.
E lembra-te… tivesse o Inverno um nome, seria o teu.