Acorda, que cá estamos, e é tão pior do que pensamos
Ela era como uma canção triste: entrou rápido no coração, animava as noites com a ausência, escurecia os dias com a indiferença.
O Stereopen é a tentativa, bonita, de trasformar todo o bom pedaço musical numa boa estória, como que a provar que é possível exercitar a criação já finalizada numa outra forma de arte, completamente distinta. Façam desta casa, a vossa casa e nela repousem a mente, o coração e os ouvidos.
Acorda, que cá estamos, e é tão pior do que pensamos
Ela era como uma canção triste: entrou rápido no coração, animava as noites com a ausência, escurecia os dias com a indiferença.
Se pudesse, Tiago passaria o dia a olhar para ela. Os gestos doces metidos numas calças rasgadas e uns ténis floridos: a dose certa de irreverência e candura.
Francisco e Melinda pareciam quase nem se ver. Evitavam olhar directamente um no outro, porque olhos castanhos com azuis não dão nunca bom resultado. Poucos meses lhes restavam e nunca é fácil decidir entre saudade e privação.
I need you so much closer
Ryan era um rapaz como todos os outros, na Carolina do Norte dos anos 90. Porque o frio também aperta nas noites geladas do deserto, Ryan aquecia o coração com dois ou três brandy e uma miúda a quem pagava por companhia, lá no bar.
Um dia, cansado de esperar e usando a sua cabeça de pé-de-vento, Ryan pediu em casamento a Carolyne, uma dessas raparigas que usavam corpete para que os peitos (e as suas carteiras) ficassem mais aconchegados. Ora, a rapariga, que morava num trailer com o padrasto e mais umas quantas beatas de cigarro apagadas no chão, junto ao sofá, de pronto aceitou compor o seu futuro com o rapaz de camisa de flanela vermelha.
Só que as raparigas de Piney Green, mulheres desejosas de se meteram numa pick-up com um barbudo de botas com esporas, até Raleigh, só amavam e respeitavam o dinheiro e nunca a um homem como este. Carolyne, como todas as outras, escapou de casa numa dessas mesmas noites frias, em que Ryan adormecia sobre a mesa, a pensar na vida e no trabalho.
E Ryan, rapaz entregue à tristeza e aos infortúnios que lhe apareciam, decidiu pôr fim aos seus dias de cowboy infeliz e usou a caçadeira que aos Domingos servia para derrubar umas quantas latas enferrujadas, nas traseiras de sua casa.
Quando o encontraram, no seu casaco de camurça estava um papel com o seguinte: “Eu tento não beber mas depois sento-me e penso e apenas enlouqueço… Estou desperado e só. De dia, solitário. De noite, apenas triste. Escrevi-te uma carta, com palavras que arranquei da garganta mas acho que o carteiro também bebeu, porque estava deitado na berma da estrada e a mensagem, que era urgente, quando chegou ao destino encontrou uma casa onde não vivias mais.”
Quantas noites foram nossas, naquele quarto? Quantos olhos pusemos nós no espelho, para guardar o momento – cada momento – da nossa despropositada paixão?
E quantas vidas foram nossas, meu amor, quando se misturavam silêncio e média luz? Continuo por cá, sentado aos pés da cama, onde um dia se confundiram as nossas pernas. Gostava de trazer-te também para baixo, para que, com o sofrimento, pudesses também ver solenidade nos momentos que julgas terem sido comuns. E se, por obra de algo que outros possam ver mas não sentir (porque também o disse Maquiavel, “ver todos podem, mas serão poucos aqueles que possuem a qualidade do sentir”), te encontrares também escravizada a esse mesmo momento do qual eu falo, então dele façamos escasso acontecimento, ao invés de o amiudar, sob pena do mesmo ser alcançável por todos quanto o desejarem.